Como seres humanos que somos, buscamos o máximo conforto possível em cada atividade que realizamos. Seja trabalhando no escritório, tomando banho, ou numa atividade ao ar livre, esta busca é constante e inegavelmente acaba gerando algum tipo de impacto para a natureza. Se queremos um banho confortável por exemplo, temos que fazer mais uso de energia para aquecer a água na temperatura adequada e aumentar a vasão. Se queremos acampar de forma satisfatória comprarmos um saco de dormir de plumas de ganso, uma barraca e outros tantos itens mais que foram produzidos a partir de recursos naturais. E desta mesma maneira funciona na escalada em rocha. Para evitar acidentes o conquistador de uma via coloca proteções fixas onde julgar necessário. O dano é permanente para a montanha ou falésia, mas propicia que amantes do esportes realizem a ascensão com mais segurança. Porém recentemente houveram intervenções humanas em vias brasileiras que geraram bastante polêmica.
A primeira ocorreu em Florianópolis, em via não identificada na Barra da Lagoa, a qual foram fixados na rocha agarras de resina utilizadas em ginásios de escalada indoor. O intuito foi facilitar a ascensão da mesma, o que afetou seu aspecto visual e graduação.

Após enorme desaprovação por parte da comunidade de escalada barriga verde, as agarras já foram retiradas.
Semanas depois outra grande intervenção foi identificada em via no Rio de Janeiro. Numa das paradas foi fixado um platô de metal com o intuito de tornar mais confortável a reunião dos escaladores.

Segundo a Federação de Esportes de Montanha do Estado do Rio de Janeiro, a FEEMERJ, até a data de publicação deste artigo, membros da entidade estão em processo de diálogo amigável com os executores a fim de conscientizá-los sobre o impacto negativo do ato. "A entidade (FEEMERJ) não possui poder de polícia e trabalha através do diálogo buscando sempre a melhor solução em termos de ética e mínimo impacto", pontuou um membro da federação. "Buscamos preservar os valores do montanhismo e seu patrimônio cultural, onde alguns documentos são referências como a Declaração de Tirol de 2002 e os Princípio e Valores do montanhismo Brasileiro", complementa.
Segundo a própria Declaração do Tirol sobre a Melhor Prática em Esportes de Montanha, promulgada pela Conferência sobre o Futuro dos Esportes de Montanha em Innsbruck, em 8 de setembro de 2002, "contém um conjunto de valores e máximas que proporcionam uma orientação sobre a melhor prática em esportes de montanha. Não são regras ou instruções detalhadas – no lugar disso, elas:
1. Definem os valores fundamentais atuais nos esportes de montanha
2. Contêm princípios e padrões de conduta
3. Formulam os critérios de ética para tomada de decisões em situações incertas
4. Apresentam princípios éticos pelos quais o público pode julgar os esportes de montanha
5. Introduzem a iniciantes os valores e princípios morais de seu esporte.
É objetivo da Declaração do Tirol ajudar a concretizar o potencial inato dos esportes de montanha para recreação e para crescimento pessoal, e também para promoção de desenvolvimento social, compreensão cultural e consciência ambiental". Em seu artigo 7 consta: "Nós (montanhistas) minimizamos o dano à rocha por meio da utilização da técnica de proteção menos prejudicial", item este que vai direto ao encontro de ambas as intervenções mencionadas.
E qual é o limite das intervenções que realizamos? Quem fica responsável pela fiscalização de tais práticas? Fixar um platô numa via ou agarras de resina podem ser considerado atos de vandalismo? E "cavar agarras", ação muito mais comuns do quê estas acima? Sem dúvida que é necessário se ter um parâmetro a ser seguido, caso contrário qualquer escalador poderá mudar uma parada de lugar, cavar uma agarra, retirar uma proteção fixa pois ali é possível proteger com peças móveis, ou inserir mais proteções para tornar a via mais segura como melhor achar. Tais decisões são muito subjetivas. O que pode ser perigoso e desnecessário para um muitas vezes é motivação para outro pelo estilo de escalada ali envolvido. A decisão principal hoje recai sobre o conquistador, o qual definiu uma característica de um lance ou de toda a escalada da via. Mas e quando os conquistadores não estiverem mais vivos ou atuantes para opinar, como vem acontecendo com muitas vias abertas na década de 70 e 80 aqui no Brasil? A quem caberá tais decisões? Justamente por isso a união das comunidades locais é importante, para proteger tais caraterísticas que além de tornarem um setor único, contam a história da conquista do local, ou para tomarem uma decisão em conjunto quando a segurança dos frequentadores está em risco, como foi realizado recentemente na Cresta com Normal no Baú, uma das vias mais repetidas do Brasil e foi palco de um acidente em julho deste ano. Importante se ter o diálogo, ouvir as partes e respeitar as diretrizes do local para que a escalada perdure de forma sadia gerações a frente.
Fotos @escala_floripa
Contribuição @escala_floripa e @feemerj
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